Novo recorde quântico: dois mil átomos em dois lugares ao mesmo tempo
O conceito quântico da sobreposição de moléculas foi submetido a um estudo numa escala nunca tentada antes, numa pesquisa conduzida por cientistas da Universidade de Viena, na Áustria, em colaboração com cientistas da Universidade da Basiléia, na Suíça. No experimento, moléculas quentes e complexas, compostas por quase dois mil átomos, foram colocadas no estado de sobreposição quântica, e apresentaram sinais de que experimentaram interferência.
Ao confirmar esse fenômeno — descrito como “o coração da mecânica quântica” pelo renomado físico Richard Feynman — em uma escala de massa inédita, os pesquisadores colocaram novas restrições para teorias que explicam a mecânica quântica. O trabalho foi publicado na revista Nature Physics.
Do quântico para o clássico
O princípio da sobreposição é um marco da teoria quântica, e surge de uma das equações mais fundamentais da mecânica quântica, a equação de Schrödinger. Ela descreve partículas com o recurso das funções de onda, que, assim como ondas de água na superfície de uma lagoa, podem exibir efeitos de interferência. Mas, ao contrário de ondas de água, que são resultado de um comportamento coletivo de muitas moléculas de água interagindo, as ondas quânticas podem ser associadas a partículas isoladas.
Talvez o exemplo mais elegante sobre a natureza ondulatória de partículas seja o experimento da dupla fenda, no qual a função de onda de uma partícula passa simultaneamente por duas fendas, causando interferência com ela mesma. Esse efeito foi demonstrado em fótons, elétrons, nêutrons, átomos e até moléculas, e levanta uma questão que intriga físicos e filósofos desde os primeiros sobre mecânica quântica: qual é a fronteira em que esses estranhos efeitos quânticos transitam para o mundo clássico, com o qual todos nós estamos acostumados?
Abordagem experimental
Os experimentos da equipe de Markus Arndt, da Universidade de Viena, abordam essa questão da maneira mais direta possível: demonstrando a ocorrência de interferência quântica em objetos com massas cada vez maiores. As moléculas usadas no novo estudo têm massas superiores a 25.000 unidades de massa atômica, quantidade várias vezes maior do que o que foi alcançado anteriormente. Uma das maiores moléculas enviadas através do interferômetro, a C707H260F908N16S53Zn4, é composta por mais de 40.000 prótons, nêutrons e elétrons, com um comprimento de onda de matéria mil vezes menor que o diâmetro de um único átomo de hidrogênio.
Em complemento, a equipe da Universidade de Basileia, liderada por Marcel Mayor, usou técnicas especiais para sintetizar moléculas massivas que fossem suficientemente estáveis para formar um feixe molecular em ultra-alto vácuo. Para provar a natureza quântica dessas partículas, também foi necessário um interferômetro com uma linha de base de dois metros de comprimento, especialmente construído com este propósito em Viena.
Modelos quânticos alternativos
Um dos modelos que tentam explicar a aparente transição de um regime quântico para um regime clássico prevê que a função de onda de uma partícula entra em colapso espontaneamente, com uma taxa proporcional ao quadrado de sua massa. Ao mostrar experimentalmente que uma sobreposição é mantida para uma partícula pesada por um determinado período de tempo, o estudo coloca limites diretamente sobre a frequência e a localização desse processo de colapso. Nos novos experimentos, as moléculas permaneceram em sobreposição por mais de sete milissegundos, tempo suficiente para estabelecer novos limites interferométricos em modelos quânticos alternativos.
Uma medida chamada “grau de macroscopicidade” é usada para classificar quão bem modelos alternativos são descartados por esses estudos, e os experimentos publicados na Nature Physics de fato representam um aumento de uma ordem de magnitude no grau de macroscopicidade. “Nossos experimentos mostram que a mecânica quântica, com toda a sua estranheza, também é incrivelmente robusta, e estou otimista de que experimentos futuros testem-na em uma escala ainda mais massiva”, diz Yaakov Y. Fein, autor principal.
A linha entre o quântico e o clássico está ficando cada vez mais borrada.
Fonte: Scientific American Brasil