Quinto estado da matéria.
Figura: Dados de distribuição de velocidade confirmando a descoberta de um novo estado da matéria, o Condensado de Bose-Einstein, a partir de um gás de Rubídio
Em meio a uma nuvem gasosa com 10 mil partículas elementares de sódio, lá estavam eles: aproximadamente mil átomos, empilhados uns em cima dos outros, a uma temperatura de 70 bilionésimos de grau acima do zero absoluto, 0 Kelvin (equivalente a -273,15 °C). Esse milhar de átomos hiperfrios é o primeiro indício de que o quinto estado da matéria pode ter sido criado num laboratório nacional. Físicos da Universidade de São Paulo (USP) acreditam ter produzido um Condensado de Bose-Einstein, nome dado a um agrupamento de átomos (ou moléculas) que, quando resfriados de forma intensa, passam a se comportar como uma entidade única.
É como se, de tão juntos, os átomos nessa fase da matéria formassem, na verdade, apenas um superátomo, estando praticamente imóveis e ocupando o mesmo espaço físico. “Ainda não detectamos diretamente o condensado”, afirma Vanderlei Bagnato, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da USP, coordenador do experimento, realizado no âmbito de um projeto temático financiado pela FAPESP.
“Mas as evidências indiretas são convincentes. “Estado da matéria previsto na década de 1920 pelo físico indiano Satyendra Bose e por Albert Einstein (daí o seu nome), o condensado abre as portas para um mundo ainda não muito bem compreendido. Nele, todos os átomos se movem a uma mesma velocidade, a mais baixa possível – ou, numa definição mais técnica, ocupam o mesmo nível basal de energia quântica.
Essa propriedade não é encontrada em outros estados da matéria (sólido, líquido, gás ou plasma), nos quais os átomos apresentam variados níveis de energia. Os físicos especulam que tal característica pode ser útil para futuras aplicações em campos como a computação quântica ou novas formas de lasers. Durante sete décadas, esse estado da matéria foi apenas um conceito. Em 1995, dois grupos independentes, um da Universidade do Colorado e outro do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, criaram os primeiros condensados, de rubídio e sódio. O feito levou-os a dividir o prêmio Nobel de Física em 2001.
Por enquanto, o sinal mais confiável de que uma parte da fria nuvem de sódio criada em São Carlos deixou a física clássica e penetrou no mundo quântico é o espaço ocupado por uma fração de seus átomos – a fração que os cientistas julgam compor o condensado. A medida da chamada densidade no espaço de fase é um parâmetro usado pela física para classificar a matéria quântica. “Segundo esse parâmetro, nossa amostra apresenta o condensado”, diz Bagnato.
Quanto menor o tamanho de uma nuvem gasosa confinada, menor a sua quantidade de energia e, portanto, mais baixa a sua temperatura. Os pesquisadores tiraram, então, uma espécie de fotografia digital dos átomos do condensado e mediram o seu tamanho? Não exatamente. Na verdade, eles iluminaram com um laser a nuvem de átomos de sódio e observaram a formação de penumbras.
Onde havia átomos ocorreram a absorção de luz e a geração de sua respectiva sombra. Em seguida, obtiveram um registro dessa sombra em sensores eletrônicos similares aos de uma câmera digital. Dessa forma indireta, mediram o tamanho da nuvem de átomos e de um eventual condensado que pudesse estar ali.
Depois de ter realizado os procedimentos descritos acima, a equipe do IFSC concluiu que o tamanho de todos os 10 mil átomos da nuvem de sódio produzida em seu laboratório alcançava em média 6 micrômetros (um metro dividido em um milhão de pedaços é um micrômetro). Já o tamanho específico dos mil átomos que formam o aparente condensado era em torno de 2 micrômetros. De acordo com as medidas feitas pelos pesquisadores, um agrupamento de átomos de sódio de tal grandeza está a uma temperatura de 70 nanoKelvin, os tais 70 bilionésimos de grau acima do zero absoluto.
Nas condições do experimento levado a cabo, átomos nessa temperatura e com a densidade medida já atingiriam a degenerescência quântica, formando um Condensado de Bose-Einstein. Eles não sabem ao certo quantos átomos chegaram a esse estado da matéria. Calculam que sejam cerca de mil. Problema: esse tipo de evidência não basta para provar que ali havia um condensado. “É necessário ver explicitamente a fração de átomos condensados”, explica Bagnato.
Devido ao reduzido número de átomos utilizados no experimento (hoje há grupos no exterior fazendo condensados com bilhões de átomos) e a limitações próprias das máquinas usadas pelos pesquisadores paulistas, não foi possível observar de forma direta os átomos do condensado, medição que comprova, inequivocamente, a sua existência.
Faltou fazer o chamado teste do tempo de vôo dos átomos, que, dentro da nuvem gasosa, permite separar as partículas que atingiram a degenerescência quântica – e formam um condensado – das que não chegaram a esse ponto. “Fomos até o limite dos equipamentos, mas não deu para fazer o tempo de vôo”, afirma Luis Gustavo Marcassa, outro pesquisador do IFSC.
Em que consiste esse teste? Os cientistas desligam toda a parafernália que resfria a nuvem de átomos de sódio e têm entre 5 e 15 milissegundos para registrar a energia cinética (a velocidade) das partículas presentes no gás diluído. A partir dessa medição, inferem a sua temperatura. Quando existe um condensado em meio a uma nuvem gasosa, o teste de tempo de vôo resulta numa figura que lembra uma montanha com um pico bem agudo.
Tal figura ainda não foi gerada. “Algum tipo de contaminação do meio externo deve ter interferido no experimento deles”, opina o físico teórico Mahir Saleh Hussein, da USP da capital paulista. Bagnato acredita que as limitações se devem a campos magnéticos externos que deslocam os átomos. O problema deverá ser contornado se os pesquisadores conseguirem fazer um condensado com mais átomos, provavelmente com outro tipo de equipamento, já em construção.
O Projeto
Átomos Frios no Regime Quântico e Não Quântico: Colisões Atômicas e Outros