Por que ainda não se usa a modificação genética para eliminar doenças?
Susana Balcells Comas é pesquisadora do departamento de Genética da Universidade de Barcelona e respondeu à pergunta.
Não usamos a edição genética para eliminar doenças em humanos porque ainda não sabemos fazê-lo suficientemente bem. Para fazer essas modificações genéticas a que você se refere, ou seja, que as pessoas possam ir a sua consulta de reprodução assistida e pedir para que façam uma intervenção genética para ter filhos sem doenças, ainda não temos os conhecimentos pra fazê-lo de maneira suficientemente eficaz e suficientemente segura.
O que não quer dizer que não exista interesse, também entre os cientistas. Acabo de voltar do Congresso Europeu de Genética Humana e o debate está colocado. E não só há interesse, também se está trabalhando nisso, a modificação da linha germinal dos embriões está sendo pesquisada. A linha germinal em genética é aquela transmitida aos descendentes. Ou seja, as modificações feitas aí não só afetam a pessoa em que são feitas como todos os seus descendentes as herdarão. Na comunidade científica há consenso sobre essas pesquisas. Por enquanto só isso, pesquisa. Ainda que, claro, em cada país a sua maneira e de acordo com suas leis. Em geral, a China é onde estão sendo feitas mais coisas nesse campo. A razão é que suas leis são mais permissivas porque suas preocupações éticas em relação a essas questões são menores do que as que existem no Ocidente. De modo que acredito que lá é o local onde serão feitas inicialmente.
Mas no Ocidente também se pesquisa. Por exemplo, nos Estados Unidos cujas leis impedem a realização de pesquisas sobre modificação genética da linha germinal com recursos públicos, há uma forte contestação no mundo científico para acabar com essa proibição. E há pouco mais de um ano, em fevereiro de 2017, a Academia Nacional de Ciências e a Academia Nacional de Medicina desse país publicaram um relatório em que defendiam a conveniência de se utilizar técnicas de edição genética sobre a linha germinal cujo propósito é exatamente acabar com algumas doenças.
Dessa forma, mesmo que ainda não seja possível, será em algum momento, provavelmente dentro de poucos anos. E aqui é essencial o que significou a técnica CRISPR à genética. Essa técnica é um método que serve para intervir no DNA que é onde se armazena toda a informação biológica herdada. O CRISPR permite acrescentar, modificar e interromper sequências genéticas com enorme precisão e de uma maneira muito simples. Começou a ser utilizado em 2013 e desde então é o protagonista de uma autêntica revolução. Mas sua utilização ainda não é perfeita.
O lógico é que as primeiras doenças que se consiga eliminar mediante edição genética sejam transtornos muito graves, que costumam ser doenças raras, como as autoimunes e as que conhecemos como as das crianças-bolha, etc… e que também foram as primeiras abordadas a partir da terapia genética. Em pesquisa sobe correção somática, por exemplo, ocorrem muitos avanços com talassemias e hemofilia. E é muito provável que entre essas primeiras afecções erradicadas também estejam os cânceres hereditários.
Mas há uma questão ligada à edição genética que separa completamente a realidade dos desejos das pessoas. Quando são feitas pesquisas públicas sobre se deve ser usada para erradicar doenças e para melhorar as espécie humana há uma grande parte da população que não tem nenhum problema em que seja usada para esse último fim, ou seja, para nos fazer mais altos, mais magros e com melhores músculos… E, entretanto, essa é uma possibilidade em que a comunidade científica não está trabalhando, nem mesmo como possibilidade.
E também é preciso levar em consideração outra questão: por mais que a edição genética avance, por mais conquistas que consigamos no momento de vencer definitivamente as doenças que conhecemos é inimaginável um mundo totalmente livre delas. Se a genética nos ensinou alguma coisa é que a biologia é mutação e as mutações ocorrem continuamente. Essas mudanças genéticas podem ser benéficas, mas também prejudiciais. Continuamente aparecem vírus novos e vírus velhos que mudaram. Como geneticista, acredito que é impossível um mundo sem doenças.
Fonte: El País