Brasileiros avançam rumo às células solares de baixo custo
Células solares de perovskita
Um grupo de pesquisadores brasileiros está na vanguarda de uma linha de pesquisas que desenvolve uma nova tecnologia de energia solar de fabricação mais simples, barata e menos impactante para o meio ambiente.
Graças ao seu potencial de aplicação no campo da tecnologia fotovoltaica, as perovskitas são um dos materiais funcionais mais estudados na atualidade.
Células solares de perovskitas já alcançam uma eficiência de 25% na conversão de energia luminosa em elétrica, ultrapassando o porcentual das células de silício policristalino – ainda as mais comercializadas no mundo. Elas ainda têm problemas de durabilidade, que, quando resolvidos, deverão permitir o uso da energia solar em uma escala revolucionária.
“As células de silício só podem ser fabricadas em ambientes com elevado controle de particulados e demandam temperaturas que vão a mais de 1.500º C. Por isso, embora seu preço tenha caído bastante nos últimos anos, os painéis solares à base de silício são muito caros. Em nosso laboratório, estamos produzindo filmes de perovskita a partir de soluções, também chamadas de tintas, em temperatura ambiente,” conta a professora Ana Flávia Nogueira, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A equipe sintetizou a primeira célula solar de perovskita no Brasil em 2016.
A perovskita é um óxido de cálcio e titânio, com fórmula molecular CaTiO3. Foi descoberta nos montes Urais, na Rússia, em 1839. E recebeu esse nome em homenagem ao mineralogista russo Lev Perovski (1792-1856). O que os pesquisadores atualmente chamam de perovskita é, na verdade, uma classe de materiais diversos sintetizados em laboratório que apresentam a mesma estrutura cristalina da perovskita original. São substâncias constituídas por dois cátions (íons positivos) de diferentes tamanhos, que podem ser genericamente descritos pela fórmula molecular ABX3, na qual A e B representam os cátions e X representa halogênios.
Melhoria das perovskitas
Feitas as demonstrações teóricas e práticas de que a células solares de perovskita podem superar as células de silício, o trabalho agora se concentra na melhoria das próprias células e dos processos para fabricá-las. É o que está fazendo, por exemplo, o pesquisador Rodrigo Szostak.
“Nos últimos cinco anos, houve uma corrida de todos os grupos de pesquisa para ver quem conseguia a maior eficiência. Estamos próximos do limite teórico de eficiência, em torno de 30%. No entanto, a tendência atual é dar um passo atrás para entender melhor esses materiais. O trabalho realizado por Szostak está inserido nessa nova tendência. A técnica empregada por ele, que envolve luz síncrotron e nanoespectroscopia com infravermelho, foi usada pela primeira vez na caracterização de perovskitas,” afirmou Ana Flávia.
Szostak usou o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) para mapear grãos nanométricos individuais nos filmes de perovskita. Isso é importante porque o método de fabricação dos filmes, que consiste em depositar uma solução dos precursores do material sobre um substrato, em camadas com espessuras da ordem de nanômetros, pode originar tanto a fase estrutural, de interesse tecnológico, quanto fases indesejáveis.
Fatores circunstanciais, como umidade ou temperatura, influenciam a forma de organização dos átomos, fazendo com que possam passar de uma estrutura com atividade fotovoltaica para uma estrutura inativa. O objetivo de Rodrigo foi investigar como essas diferentes fases se distribuem no filme e, consequentemente, como elas influenciam o desempenho da célula solar.
Agora que o estudo mostrou onde o processo de degradação indesejável se inicia – na interface entre os grãos individuais do cristal – tanto a equipe brasileira quanto pesquisadores de outras partes do mundo poderão usar essas informações para tentar evitar ou minimizar o processo, melhorando ainda mais a qualidade das células solares de perovskita.
LEDs de perovskita
Outra linha de pesquisa em que a equipe brasileira avançou foi na sintetização de perovskitas bidimensionais, na forma de filmes com apenas uma camada de átomos do cristal de espessura.
O pesquisador Raphael Fernando Moral, responsável pelo desenvolvimento, também usou a luz síncrotron para estudar seus filmes bidimensionais, mas trabalhou no acelerador da Universidade de Stanford, nos EUA.
O equipamento permitiu acompanhar o crescimento do material no momento exato em que a reação química acontecia, por meio de uma técnica chamada de espalhamento de raios X a baixos ângulos (SAXS). De volta ao Brasil, o pesquisador e seus colegas prosseguiram o estudo no LNLS, para avaliar a estabilidade do material sob diversas condições de contorno.
“Moral conseguiu determinar até a velocidade média com a qual as placas 2D se sobrepõem durante a formação do material. Quando atravessada pela corrente elétrica, essa perovskita emite luz muito fortemente e pode ser um ótimo material para a fabricação de LEDs,” disse a professora Ana Flávia.
Um LED e uma célula solar são essencialmente o mesmo componente, só que um funcionando ao contrário do outro: enquanto a célula solar capta a luz e gera eletricidade, o LED recebe a eletricidade e a transforma em luz. É por isso que se espera que as perovskitas venham a impactar uma ampla gama de tecnologias fotônicas.
Bibliografia:
Artigo: Nanoscale mapping of chemical composition in organic-inorganic hybrid perovskite films
Autores: Rodrigo Szostak, J. C. Silva, S.-H. Turren-Cruz, M. M. Soares, R. O. Freitas, A. Hagfeldt, H. C. N. Tolentino, Ana Flávia Nogueira
Revista: Science Advances
Vol.: 5, no. 10, eaaw6619
DOI: 10.1126/sciadv.aaw6619
Artigo: Synthesis of Polycrystalline Ruddlesden-Popper Organic Lead Halides and Their Growth Dynamics
Autores: Raphael F. Moral, Luiz Gustavo Bonato, José Carlos Germino, Willian Xerxes Coelho Oliveira, Rupini Kamat, Junwei Xu, Christopher J. Tassone, Samuel D. Stranks, Michael F. Toney, Ana Flávia Nogueira
Revista: Chemistry of Materials
Vol.: 31, 22, 9472-9479
DOI: 10.1021/acs.chemmater.9b03439
Fonte: Inovação Tecnológica