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Uma coletânea: manto de invisibilidade – mito ou futuro tecnológico próximo?

Em outubro de 2011, o prof. Caio Lewenkopf  do Instituto de Física da Universidade Federal Fluminense escreveu um artigo de divulgação cientifica na Revista Ciência Hoje com o título Sob o Manto da Invisibilidade.  Inicialmente ele explica o que é visibilidade:

…precisamos de uma fonte luminosa, um objeto a ser iluminado e um detector de imagens. Uma lâmpada, por exemplo, ilumina o objeto de interesse, que pode absorver, transmitir ou refletir a luz incidente. A luz espalhada pelo objeto é detectada por nossos olhos. Essa informação é processada pelo cérebro, que nos diz a forma e a cor do objeto.”

E ainda explica que “…para termos um objeto invisível, é preciso que os raios luminosos se desviem ao chegar perto dele e se reconstruam de forma ‘esperta’ ao se afastarem…”. A busca por materiais com propriedades ópticas tais como índice de refração negativos, que desviariam a luz para o “outro lado”  se acentuou nos últimos 10 anos e os    “… assim chamados metamateriais abriram a possibilidade de gerar caminhos luminosos até então impossíveis, como fazer a luz ‘desviar’ de um objeto iluminado…”.

Para além dos metamateriais, as camuflagens ativas já estão bem adiantadas. Num artigo na Light Science & Applications vol.: 6 de 2017, cientistas mostraram que um material completamente opaco e iluminado de cima com um padrão de onda específico, faz com que as ondas de luz vindas da esquerda passem através do material sem qualquer obstrução – como se ele fosse transparente, ou como se o objeto não estivesse lá.

Um material normalmente espalha uma onda de luz incidente em todas as direções (em cima). Mas se ele for irradiado com a onda correta, esse feixe pode abrir caminho para uma outra onda de luz vindo direcionalmente (embaixo). [Imagem: TU Wien]

       Embora seus idealizadores chamem a técnica de “feixe de invisibilidade”, ela de fato pode operar ao reverso, como um “feixe de visibilidade”, ou “feixe de transparência”, que permitirá também ver através de materiais opacos (fonte:  Feixe de Invisibilidade também funciona como Feixe de Transparência).

O mesmo artigo dá dicas sobre a invisibilidade para ondas mecânicas. Ao contrário da luz e ondas de rádio (eletromagnéticas) as ondas sonoras e ondas sísmicas só se propagam em meios materiais. Portanto, a ideia é fazer com que as ondas sonoras ou ondas sísmicas ignorem os obstáculos de materiais diferentes do seu meio de propagação. No primeiro caso, a aplicação em isolamentos acústicos ou direcionamento de som em auto-falantes é proeminente.

Os materiais utilizados para produzir tal invisibilidade são conhecidos como metamateriais – basicamente são materiais artificiais especialmente moldados para desviar as ondas ao invés de refleti-las ou absorvê-las.

Em 2014 a publicação da Nature Materials mostrou a possibilidade de uma Camuflagem acústica deixa você em silêncio absoluto. Os engenheiros usaram folhas de plástico perfuradas – e um bocado de cálculos matemáticos – e construíram o primeiro manto de invisibilidade acústico tridimensional em forma de pirâmide.

A pirâmide do silêncio faz o som passar incólume, como se não houvesse nada lá. [Imagem: Duke University]

O dispositivo redireciona as ondas sonoras, criando a impressão de que nem o manto, e nem qualquer coisa embaixo dele, estão lá. A camuflagem acústica funciona em  três dimensões, não importando a direção de onde o som está vindo ou de onde o observador está localizado. Para criar a “invisibilidade” acústica, a camuflagem altera a trajetória das ondas para que elas coincidam com a rota que teriam se tivessem refletido em uma superfície plana. Isso é o mesmo que dizer que o ambiente embaixo da pirâmide permanece silencioso.

Para direcionar o som, existem metamateriais que fazem o papel de lentes acústicas.  O artigo Metamaterial acústico focaliza ondas de som como a lente de uma câmera mostra que as estruturas artificiais são criadas em padrões que curvam a onda acústica, direcionando-a para um ponto único. Em seguida, a onda acústica é reorientada para formar um feixe que pode ser mais largo ou mais estreito, dependendo da direção de deslocamento.

A segunda aplicação mais estudada de mantos de invisibilidade para ondas mecânicas é a camuflagem sísmica.

Quando ocorre um terremoto, são gerados dois tipos de ondas sísmicas: as ondas de corpo ou volume, que viajam no interior da Terra, sob a superfície; e as ondas superficiais. Os metamateriais são capazes de proteger as construções das ondas de choque superficiais, que são justamente as mais perigosas e que causam maiores danos.  No artigo da Physical Review B vol.: 79 de 2009, os cientistas testaram em protótipos, metamateriais que  usa anéis concêntricos de plástico, que serão colocados na superfície da Terra nas proximidades das construções a serem protegidas. Esses metamateriais são capazes de assimilar e desviar as ondas superficiais, que passariam ao largo das construções.

Controlando a dureza e a elasticidade dos anéis, as ondas passariam suavemente através do escudo antiterremoto.[Imagem: Sebastien Guenneau]

Controlando a dureza e a elasticidade dos anéis, as ondas passariam suavemente através do escudo protetor, sendo comprimidas em pequenas flutuações de pressão e densidade. O caminho das ondas sísmicas pode ser dirigido para formar um arco que as levariam para fora do local a ser protegido. Veja em Manto de Invisibilidade poderá proteger prédios contra terremotos. 

E num artigo mais recente (New Journal of Physics vol.: 18 ), de 2016, cientistas mostram que as camuflagens sísmicas  já estão sendo testadas em laboratório e poderão ser implantadas ao redor de áreas urbanas inteiras já construídas, não precisando ser instaladas apenas em prédios novos, que já as incorporem desde o projeto. Isso é essencial para a proteção de áreas históricas, evitando perdas irreparáveis como as que ocorreram recentemente na região de Amatrice, na Itália.

Os cálculos mostraram  que os escudos sísmicos mais simples e mais eficazes proposto pela equipe envolve escavar 2 ou 3 fileiras de cavidades em forma de cruz igualmente espaçadas no solo.

O escudo sísmico é formado por estruturas com formatos de cruz e cilindro, construídas ao redor da área a ser protegida. [Imagem: Marco Miniaci et al. – 10.1088/1367-2630/18/8/083041]

“As dimensões exatas vão depender do tipo de solo e da faixa de frequência do escudo,” explicou Miniaci. “Para condições de solo arenoso e baixa frequência de excitações sísmicas, a largura, espaçamento e profundidade das cavidades, que deverão ser revestidas com concreto para evitar que o solo circundante colapse, pode chegar a 10 metros.” Veja em Camuflagem sísmica: proteção antiterremoto é melhor que o esperado.

A simulação mostra as ondas de choque atingindo o prédio não protegido (esquerda), enquanto o prédio com o escudo sísmico praticamente não sente nenhum abalo (direita). [Imagem: Marco Miniaci et al. – 10.1088/1367-2630/18/8/083041]

Tudo indica que tornar objetos invisíveis tanto para a luz  (calor, radar e etc.) como para ondas mecânicas (som e ondas sísmicas) já é uma realidade. Porém, ainda há muito o que testar para tornar a tecnologia viável.

Cristiane Tavolaro

Sou física, professora e pesquisadora do departamento de física da PUC-SP. Trabalho com Ensino de Física, atuando principalmente em ensino de física moderna, ótica física, acústica e novas tecnologias para o ensino de física. Sou membro fundadora do GoPEF - Grupo de Pesquisa em Ensino de Física da PUC-SP e co-autora do livro paradidático Física Moderna Experimental, editado pela Manole.

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