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Remédio digital à base de luz é testado contra a dor por startup e HC da USP.

Terapia baseada em luz é antiga, mas ainda enfrenta desconfiança de médicos e cientistas

Um remédio digital capaz de tratar a dor. Esse é o objetivo da empreitada do físico Marcelo Sousa e de outros pesquisadores que fazem parte de uma startup de fotomedicina, área que se vale de fontes de luz para tratar problemas de saúde.

O conceito pode parecer complicado, mas não é tão diferente daquele das drogas disponíveis nas farmácias.

Assim como um fármaco tem de chegar ao seu alvo dentro do organismo na quantidade correta (sob risco de não funcionar ou de ser prejudicial), existe também uma dose ideal para que a luz tenha efeitos benéficos no organismo, como crescimento de cabelo, melhora da cicatrização, tratamento de envenenamentos, de AVC e até mesmo de depressão. Isso fora a dor.

O pulo do gato é calcular essa dose ideal, tarefa na qual Sousa e colegas da Bright Photomedicine estão se empenhando.

A meta é desenvolver um sistema de inteligência artificial capaz encontrar quanto de luz (ou energia chegando no destino final) deve ser fornecido para cada condição e cada paciente, a fim de obter o melhor resultado terapêutico. Fatores como cor da pele (quanto mais escura, mais luz é necessária), obesidade (a gordura atrapalha o espalhamento da luz no organismo), sexo e faixa etária influenciam no resultado.

Esse segmento da fotomedicina, no qual luz é usada para melhorar as funções de um sistema biológico, recebe o nome de fotobiomodulação. (Outro ramo é a terapia fotodinâmica, que, em vez de restaurar costuma destruir células —tumores, por exemplo.)

Mas o que a luz faz no organismo, para gerar esses benefícios? “Podemos dizer que ela dá um peteleco na célula, fazendo com que ela reaja, estimulando sua função”, explica Rozane Turchiello, física e professora da UFPR, que não faz parte do grupo de Sousa.

O peteleco luminoso tem efeito na mitocôndria, “que é convidada a trabalhar”, explica a física. A organela garante o suprimento energético para as funções celulares, como proliferação e produção de elementos estruturais, como colágeno e tecido ósseo. Isso explica, por exemplo, a ação da fotobiomodulação em lesões ortopédicas.

A professora aposentada Estela Oliveira, 85, foi uma das primeiras pessoas a testar o tratamento luminoso da startup. Em 2015 ela teve duas vértebras fraturadas na região da lombar, por conta da osteoporose e do desgaste natural. “Por mais que eu tenha feito tratamento e ginástica para não chegar a esse ponto, não teve jeito”, conta.

As dores intensas tornaram-na dependente de analgésicos. Já na primeira sessão, ela diz ter sentido alívio. Há mais de dez meses em tratamento, ela reduziu a quantidade de comprimidos. A alternativa seria uma cirurgia na região, que, por conta da idade, é contraindicada. Mesmo assim, não haveria garantia de melhora.

Além da terapia à base de raios infravermelhos produzidos por LEDs, a professora aposentada também tem feito acupuntura e fisioterapia. “Cada gotinha de tratamento ajuda.”

Inspirados em casos com o de dona Estela, cientistas da Bright têm feito parcerias para estudar os efeitos de seu tratamento de fotobiomodulação. Um deles foi firmado com o grupo de Hazem Ashmawi, do Hospital das Clínicas da USP, especialista em dor.

Modalidade de terapia baseada em luz quer substituir remédios e cirurgias. Uma startup brasileira criou um dispositivo no formato de curativo que, ao ser aplicado, irradia luz para a pele,com o objetivo de tratar dores.

Ainda em estágio de aprovação pelos conselhos de ética em pesquisa, a ideia do projeto é investigar se o tratamento é capaz de ajudar pacientes com uma dor muito difícil de tratar, a osteoartrose de joelho, condição na qual o desgaste da cartilagem do joelho, que funciona como capa protetora, facilita a ocorrência de lesões (e de inflamação e dor, consequentemente), graças ao atrito entre ossos.

No caso, a ideia da intervenção não é tratar a causa, mas o principal sintoma, a dor.

“Existem muitas possibilidades de tratamento nesses casos. Mas, como é usual, quando há tantas opções assim, nenhuma é tão boa, na verdade”, diz Ashmawi.

Usando um grupo placebo (pacientes que terão contato com os LEDs, só que desligados) e um grupo saudável (que receberá o estímulo para ver o efeito no tecido normal), além do grupo doente e efetivamente tratado, a ideia é investigar, inclusive com exames de imagem, se a terapia funciona mesmo e como ela age.

O caminho não precisaria ser tão longo: diferentemente de fármacos, dispositivos médicos geralmente têm trâmites de registro pouco burocráticos, mas, segundo Sousa, a ideia é tratá-lo com o mesmo rigor que uma nova droga demandaria.

Essa obsessão se justifica. Ainda há desconfiança de médicos e cientistas com relação à fotomedicina, e tudo o que Sousa e companhia querem é extirpar o rótulo de medicina alternativa.

Essa foi uma das motivações que levou Sousa, seu mentor, Michael Hamblin (de Harvard,  espécie de papa da área da fotobiomodulação), e a médica indiana Tanupriya Agrawal a organizarem e publicarem um livro de mais de mil páginas sobre o tema (Handbook of Low-level Laser Therapy, sem tradução em português).

Muitas vezes a desconfiança tem origem na descrença na medicina não convencional (ou alternativa). Em geral, nesses casos, apresentar as evidências existentes costuma ser o suficiente, escreve Sousa no livro.

Relativamente nova, a fotomedicina nasceu em 1965. O médico e cientista húngaro Endre Mester (1903-1984) estava testando se lasers (os primeiros dispositivos haviam sido inventados poucos anos antes) tinham capacidade de matar células cancerígenas em ratos.

O laser não só matou o tumor —inserido cirurgicamente no bicho—, como melhorou a cicatrização da incisão, e fez o pelo crescer mais rápido. Em vez de se desesperar, Mester reuniu aquele conhecimento e publicou os resultados no final daquela década e no início da década seguinte.

Hoje, a área coleciona cerca de 5.500 publicações científicas no indexador PubMed, que reúne as principais revistas da área biomédica. Não se trata de um número estrondoso: uma área não convencional, a homeopatia, tem praticamente a mesma quantidade. A diferença é que os artigos envolvendo fotomedicina têm se tornado numerosos a cada ano —pouco mais de 500, em 2017, mais que o triplo dos de homeopatia.

Outros pontos geradores de desconfiança são a falta de compreensão mais precisa dos mecanismos bioquímicos por trás do fenômeno e o grande número de fatores que influenciam a obtenção da dose ótima —área que deve ser o diferencial do produto da empresa, diz Sousa.

Fonte: FAPESP na Mídia

Cristiane Tavolaro

Sou física, professora e pesquisadora do departamento de física da PUC-SP. Trabalho com Ensino de Física, atuando principalmente em ensino de física moderna, ótica física, acústica e novas tecnologias para o ensino de física. Sou membro fundadora do GoPEF - Grupo de Pesquisa em Ensino de Física da PUC-SP e co-autora do livro paradidático Física Moderna Experimental, editado pela Manole.

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