Ensino

Sincronia cerebral em sala de aula, o que isso significa?

Ao falarmos de sincronia cerebral, parece até que estamos tentando adentrar o mundo obscuro da metafísica barata, parapsicologia e coisas afins do ocultismo simplista… mas hoje não Professor X! Apesar do nosso grande desejo de discorrermos sobre a transmissão de pensamentos, transfiguração da essência vital  e o poder da telepatia :-), vamos apenas tratar de algo banal e cotidiano, que é a ocorrência da sincronia das ondas cerebrais, dentro de um coletivo, em certas ocasiões.

Mas, você pode se perguntar, sincronização de ondas cerebrais? Isso é possível? Quando e por que acontece?


Alguns estudos demonstram que a sincronia de ondas cerebrais entre indivíduos ocorre quando existe algum tipo de esforço mútuo ou simpatia. Um estudo de 2017, publicado no periódico Social Cognitive and Affective Neuroscience, apresenta uma interessante análise demonstrando que a sincronização de ondas cerebrais entre indivíduos ocorre em comportamentos pró-sociais (intenção de beneficiar outrem: ajudar, cooperar, compartilhar, etc). Num outro trabalho, publicado na Scientific Reports, podemos ver também que esta mesma sincronização se apresenta quando dois indivíduos conversam, como se os dois cérebros trabalhassem em conjunto para um objetivo em comum: a comunicação. Uma outra publicação, desta mesma revista, mostra como a sincronia cerebral tem relação com afinidades comportamentais.

Com o desenvolvimento destes tipos de pesquisa, tem sido possível, ao detalharmos a interação entre os cérebros, a análise e compreensão de aspectos complexos de diversos campos como a psicologia, psiquiatria, sociologia e também a educação, usando as imagens neurais dentro de contextos do mundo real.

Posto isto e, sendo mais específicos, aqui estamos mais preocupados em verificar um estudo que trata da sincronia de ondas cerebrais entre indivíduos e como isso poderia ajudar a explicar certos fenômenos em sala de aula e como esse tipo de verificação pode nos ajudar enquanto educadores.

Tal foi o tipo de pesquisa realizado pela New York University, ao analisar, utilizando-se de aparelhos portáteis de Eletroencefalograma (EEGs), o comportamento de alunos de ensino médio, durante atividades normais de sala de aula. Os equipamentos serviram para verificar se estes estudantes estavam gostando de uma aula ou se estavam se dando bem com seus colegas, por meio da análise do comportamento de suas ondas cerebrais. De acordo com uma das autoras, Dra. Suzanne Dikker, após onze sessões, chegou-se à conclusão que “o quanto nossas ondas cerebrais estão sincronizadas com outras pessoas sugere ser um bom indicador de quão bem estamos integrados em um grupo e engajados em uma atividade. Em geral, essa pesquisa pôde mostrar que a sincronia entre cérebros é um possível indicador do resultado das interações sociais cotidianas”.


Gráfico demonstrativo da experiência.

Ao utilizar aparelhos portáteis em situações da vida real, ao invés de situações controladas de laboratório, os pesquisadores participantes sugerem conseguir resultados mais confiáveis. Por não serem demasiadamente desconfortáveis – semelhantes à headsets, puderam ser utilizados pelos alunos sem prejudicar o andamento das aulas. (Veja o vídeo da experiência). Usando equipamentos de baixo custo, os pesquisadores compararam as leituras dos estudantes, no decorrer das sessões e atividades. Passo seguinte, exploraram os fatores que poderiam predizer o nível de atividade cerebral sincronizada entre eles, utilizando-se de relatórios individuais sobre engajamento (p. ex. níveis de aprovação ou não, pelos estudantes, de diferentes estilos de ensino e seu nível de atenção diário) e medidas de resultados das dinâmicas sociais em sala de aula. Nestes relatórios, avaliava-se o quanto os alunos simpatizavam com seus colegas e com o professor, além de quanto apreciavam as atividades em grupo. Ambas variáveis, engajamento em sala de aula e integração às dinâmicas sociais são consideradas críticas para resultados positivos de aprendizagem.


EEGs pequenos e portáteis permitiram uma experiência não intrusiva.


Os resultados mostraram então uma relação positiva entre as avaliações das atividades e a sincronia das ondas cerebrais entre os estudantes, enquanto grupo – em outra palavras, quanto mais as ondas dos alunos sincronizavam, mais eles tendiam a avaliar positivamente as atividades em sala de aula. Similarmente, quanto maior a sincronização entre um indivíduo e seus colegas de turma, mais ele tendia a dar notas positivas para o estilo de ensino do professor.

Os pesquisadores também examinaram se a existência de relação de sincronia entre cérebros refletia o quanto os alunos gostavam de seus colegas. Para isto, os alunos relataram o quanto eles eram próximos entre si. Com estes dados, verificou-se que pares de estudantes que se sentiam mais próximos estavam mais em sincronia durante as aulas, mas apenas se tivessem interagido entre si face-a-face imediatamente antes da aula. Isso sugere que interação face-a-face antes de compartilhar experiências tem relevância para os resultados de aprendizagem, mesmo que o aluno não interaja com o mesmo colega durante a atividade – talvez pelo fato de proporcionar previamente um ambiente mais seguro e acolhedor ao aluno. Finalmente, alunos que consideravam as atividades em grupo importantes em suas vidas, apresentaram maior sincronia com seus colegas de turma.

Tais pesquisas e resultados podem ser de grande valia a educadores que, muitas vezes, contam apenas com avaliações generalistas ou subjetivas para verificar o quanto os alunos estão engajados em sala de aula. Com este tipo de medição, podemos verificar, individualmente, com dados concretos do funcionamento cerebral dos alunos, a relação de proximidade ou não com as atividades em sala de aula e seu ambiente. Além das verificações tradicionais, apresenta-se agora um interessante recurso para auxiliar os professores a diagnosticar os resultados de seu trabalho. Ainda mais que tais equipamentos de medição estão cada vez mais acessíveis e portáteis.


Enfim, “diga-me como sincronizas que te direi como aprendes”…

Fonte: A Pedra 

Cristiane Tavolaro

Sou física, professora e pesquisadora do departamento de física da PUC-SP. Trabalho com Ensino de Física, atuando principalmente em ensino de física moderna, ótica física, acústica e novas tecnologias para o ensino de física. Sou membro fundadora do GoPEF - Grupo de Pesquisa em Ensino de Física da PUC-SP e co-autora do livro paradidático Física Moderna Experimental, editado pela Manole.

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