Jovens defendem a ciência, mas desconhecem produção científica do País
Pesquisa inédita com mais de 2 mil pessoas revela o que os jovens pensam, sabem e não sabem sobre a ciência e tecnologia no Brasil
A maioria dos jovens brasileiros gosta de ciência e acha que o governo deveria investir mais no setor — inclusive em momentos de aperto econômico, como o atual. Por outro lado, são poucos os que buscam ativamente informações sobre ciência e tecnologia; e apenas uma minoria sabe dizer o nome de alguma instituição de pesquisa nacional. A maioria se informa sobre o assunto pela internet, e confessa ter dificuldade para saber se uma notícia é verdadeira.
Esses são alguns dos resultados de um levantamento inédito sobre a percepção pública da ciência e tecnologia no Brasil, com foco no público jovem. Realizado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), o estudo é baseado em 2,2 mil entrevistas domiciliares, realizadas com jovens de 15 a 24 anos de idade, em 21 Estados e no Distrito Federal, no início deste ano.
A pesquisa segue os moldes de um levantamento nacional sobre o tema, que vem sendo realizado periodicamente desde o início dos anos 2000, com resultados publicados em 2006, 2010 e 2015. Porém, com algumas especificidades e categorias adicionais. Além de focar no público jovem, os pesquisadores incluíram perguntas sobre o problema das fake news e questões relacionadas a posicionamentos políticos, morais e religiosos — numa tentativa de entender como esses posicionamentos afetam a opinião dos jovens sobre temas de ciência e tecnologia.
“É importante entender a percepção dos jovens, porque eles são nossos futuros cidadãos”, disse a coordenadora do INCT-CPCT e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Luisa Massarani. “É uma geração que já nasceu no contexto da internet.”
O Jornal da USP teve acesso com antecedência aos resultados do estudo, divulgados publicamente nesta segunda-feira, 24 de junho, no Museu da Vida da Fiocruz, no Rio de Janeiro. Veja alguns destaques da pesquisa abaixo.
Resultados
Quase 70% dos jovens entrevistados disseram ter interesse em ciência e tecnologia — mais do que em esportes (62%) e o mesmo que em religião (67%). O tema só ficou atrás de meio ambiente (com 80% de interessados) e medicina e saúde (74%), que também são temas fortemente ligados à ciência e tecnologia.
Cerca de 70% consideraram que a ciência traz “muitos benefícios” para a humanidade e 82% concordaram com a afirmação de que “a ciência e a tecnologia estão tornando nossas vidas mais confortáveis”.
Com relação ao apoio do poder público, 94% disseram que o governo federal deveria aumentar, ou ao menos manter, os investimentos em ciência e tecnologia, mesmo “sabendo que os recursos são limitados e que gastar mais com alguma coisa significa ter que gastar menos com outras”. Além disso, 68% concordaram que “ os governantes devem seguir as orientações dos cientistas”.
Apesar disso, somente 26% disseram buscar informações sobre o tema com frequência; e apenas 12% souberam citar o nome de alguma instituição “que se dedique a fazer pesquisa científica no Brasil”. As três instituições mais lembradas foram a Universidade de São Paulo (USP), o Instituto Butantan e a Fiocruz. Só 5% souberam dizer o nome de algum cientista brasileiro. Os mais citados foram o astronauta Marcos Pontes (atual ministro da Ciência e Tecnologia), o inventor/aviador Santos Dumont e o médico sanitarista Oswaldo Cruz.
Pouco mais da metade (57%) dos entrevistados disse acreditar que “a ciência e a tecnologia vão ajudar a eliminar a pobreza e a fome no mundo”; 54% consideraram que os cientistas “estão exagerando sobre os efeitos das mudanças climáticas”; e 40% concordaram com a afirmação de que, “se a ciência não existisse, meu dia a dia não mudaria muito” — apesar de a ciência estar por trás de todos os produtos que utilizamos no nosso dia a dia, das roupas e alimentos aos remédios e aparelhos eletrônicos.
Análises
Os resultados são ao mesmo tempo “desalentadores e empolgantes”, segundo Yurij Castelfranchi, pesquisador do INCT-CPCT, diretor de divulgação científica e professor de Sociologia da Ciência na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Se por um lado os jovens demonstram ter uma visão muito positiva da ciência e dos serviços que ela presta para a sociedade, há um desconhecimento muito grande sobre conceitos básicos de ciência e sobre como a ciência e a tecnologia são produzidas no Brasil. “Esperávamos que os jovens se saíssem melhor que os adultos nesse quesito, por estarem mais próximos das universidades; mas não”, afirma Castelfranchi. “Temos um trabalho urgente a fazer na melhoria da comunicação da ciência no Brasil. Não só há pouco conhecimento, como a desinformação é muito alta.”
O cruzamento dos diversos dados do estudo — incluindo informações sobre o perfil político, religioso e socioeconômico dos entrevistados — sugere que “ter a verdade ao alcance de um click” não é suficiente para moldar a opinião dos jovens sobre temas científicos, ressalta Castelfranchi.
“Boa parte da atitude das pessoas sobre ciência não tem a ver com o seu grau de conhecimento científico, mas com posicionamentos políticos e morais”, diz o pesquisador. As opiniões sobre mudanças climáticas, por exemplo, são influenciadas por vieses políticos, enquanto que as opiniões sobre evolução humana são fortemente moldadas por crenças religiosas. “O nível de conhecimento é importante, mas não é suficiente.”
É algo que precisa ser levado em conta na formulação de estratégias de comunicação da ciência sobre esses e outros temas polêmicos, como vacinas e alimentos geneticamente modificados, diz Castelfranchi. “A pessoa pode ter doutorado e ser contra transgênicos”, exemplifica ele — ainda que as evidências científicas respaldem amplamente a segurança desses alimentos.
Também fica claro no estudo que não há um “bloco único” de jovens anticiência no Brasil, mas uma pluralidade de opiniões e posicionamentos que são influenciados por fatores diversos na sociedade. “Não existe um grupo compacto que rejeita a ciência como um todo, mas pessoas que, em geral, reconhecem o valor da ciência e que rejeitam ou se distanciam de algumas áreas, aplicações ou evidências específicas”, afirma Castelfranchi.
Ecossistemas de informação
As mídias e plataformas digitais são as mais usadas pelos jovens para acessar informações de ciência e tecnologia, com grande destaque para o Google e YouTube — usados por 79% e 73% dos entrevistados, respectivamente, segundo a pesquisa.
Além das entrevistas-padrão, os pesquisadores realizaram conversas com grupos focais de jovens no Rio de Janeiro (RJ) e Belém (PA) para discutir principalmente a questão das fake news. As conversas revelaram uma mudança no “ecossistema” de consumo de informações, em que os jovens, mais do que buscar ativamente as informações que lhes interessam, passam a encontrá-las de forma passiva nas mídias digitais. Muitos, segundo Luisa, dizem “tropeçar” nas notícias sobre ciência e tecnologia, à medida que elas lhes são servidas pelas redes sociais e pelos mecanismos de busca da internet.
“O que está acontecendo é que os jovens estão perdendo o protagonismo no acesso e no tipo de informação de ciência e tecnologia com que têm contato”, avalia Luisa. “Porque, se você deixa de procurar a informação que te interessa e simplesmente espera que ela chegue até você, obviamente você perde o protagonismo nesse processo.”
A preocupação com a veracidade das informações parece ser alta. Cerca de um quarto dos entrevistados disse receber com frequência, ou “muita frequência”, notícias de ciência e tecnologia que acreditam que possam ser falsas. Quase metade considerou ser “difícil” saber se uma notícia é verdadeira e 21% disseram ser “muito difícil ou impossível” fazer essa checagem.
“Há uma expressão muito forte de angústia com relação a isso”, afirma Luisa. O método de checagem mais usado pelos jovens, segundo a pesquisa, é conversar com amigos e familiares.
O protagonismo do YouTube como mídia de preferência para obtenção de informações de ciência e tecnologia é algo que precisa ser avaliado com atenção, avalia Castelfranchi. “O YouTube pode ajudar muito como um motivador e como uma bússola, para apontar direções e conectar as pessoas com outras fontes de informação”, avalia o sociólogo. “Mas, sozinho, não é suficiente.”
O pesquisador alerta que os resultados quantitativos do estudo não devem ser avaliados de forma isolada, pois nenhum desses números conta uma história completa por si só. A verdadeira força desse tipo de pesquisa, segundo Castelfranchi, vem das análises qualitativas, que derivam do cruzamento de diversas informações.
Para o comunicador de ciência Atila Iamarino, do canal Nerdologia (com quase 2,5 milhões de inscritos no YouTube) o que a pesquisa revela é exatamente o modelo operacional dessas plataformas digitais — algo que já é conhecido e vem sendo explorado com grande eficiência pelos disseminadores de pseudociência e teorias da conspiração na internet.
“A proposta toda do YouTube é, justamente, otimizar o conteúdo e a maneira como esse conteúdo é apresentado para induzir o consumo passivo. É para você assistir um vídeo e ele te recomendar o próximo, depois outro, e mais outro, sem que você tenha de procurar ativamente aquilo que quer saber”, diz Iamarino, que é doutor em microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP). “É em cima disso que esse mercado trabalho há pelo menos cinco anos.”
Os cientistas e as instituições de pesquisa brasileiras, segundo ele, não estão preparadas para trabalhar nem lidar com esse tipo de comunicação. Já os “anticientistas” sabem fazer isso muito bem — por exemplo para questionar a influência humana no aquecimento global ou a segurança das vacinas.
“Se você fizer uma busca por qualquer tema pelos quais os jovens se interessam hoje no Google, e principalmente no YouTube ou Facebook, só aparecem vídeos de conspiração e pseudociência”, diz Iamarino. “A anticiência está muito mais ativa nesses meios e conversando muito melhor com o público do que os canais de ciência propriamente dita. São vídeos mais engajantes, que mantêm as pessoas assistindo por mais tempo, e por isso mesmo são mais referenciados pelas plataformas para quem está fazendo consumo passivo de informação. Isso é terrível.”
Para a também microbióloga e divulgadora de ciência Natalia Pasternak, essa passividade informativa, aliada ao desconhecimento das instituições de pesquisa nacionais, sugerem que o interesse dos jovens por ciência, na verdade, “é mínimo e superficial”.
“Esse dado também é muito preocupante, porque o consumo passivo de conteúdo deixa os jovens suscetíveis às informações impulsionadas por lobbies de grupos com interesses políticos e econômicos”, destaca Natalia, que é pesquisadora colaboradora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, diretora do festival Pint of Science no Brasil e diretora-presidente do Instituto Questão de Ciência.
Foto de destaque: Arte sobre foto – Feira USP e as Profissões 2018 / Marcos Santos – USP Imagens
Arte: Thais H. Santos
Fonte: Jornal da USP