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Por que o Programa Espacial Brasileiro não funciona?

A pesquisa espacial é, talvez, a área da ciência mais cativante no último século, um triunfo da civilização que precisou de milhares de gerações aperfeiçoando conhecimentos e técnicas, combinando teoria e experimentação sempre pautados por rigoroso método científico, para hoje ser capaz de nos fornecer informações com alta confiabilidade sobre o universo em que vivemos, sua composição, sua origem, e seu possível futuro.

Quando se fala em pesquisa espacial, a primeira coisa que nos vem à mente é a NASA, a renomada Agência Espacial Americana que contabiliza inúmeros feitos históricos e projetos bem sucedidos. Assim como ela, também são famosas a Agência Espacial Federal Russa, a ESA (Agência Espacial Europeia), o programa espacial chinês, indiano, iraniano, e da Coreia do Norte.

Porém, o Brasil não se destaca neste célebre grupo. Pouco se divulga sobre a situação desta área no país, ela parece ter tido poucos êxitos e atualmente está estagnada. Para termos chegado a tal ponto, foi necessário uma série de condições e eventos históricos específicos, juntamente com o descaso atual do governo e de vários setores da sociedade para com a ciência em toda sua abrangência.

Origem das instituições do Programa Espacial Brasileiro (PEB)

As primeiras instituições do setor eram, em sua maioria, subordinadas às forças armadas – pois derivaram de estruturas da Aeronáutica com dependências do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA); e poucas iniciativas civis, se destacando o Instituto Nacional De Pesquisas Espaciais (INPE), que se consagrou e hoje é referência em estudos meteorológicos e climáticos, engenharia e tecnologia espacial, possuindo os mais sofisticados laboratórios de testes, rastreio e controle de satélites. Atualmente a instituição responsável pelo planejamento, gestão e organização das atividades espaciais brasileiras e a Agência Espacial Brasileira (AEB).

Análise de resultados: desempenho do país nos três ramos do setor espacial: satélites, veículos lançadores e infraestrutura de solo

Referente à infraestrutura de solo (centros de lançamentos, estações de rastreio e laboratórios de testes), o projeto de vanguarda foi o Centro de Lançamento de Foguetes da Barreira do Inferno (CLFBI), administrado pelo Grupo Executivo e de Trabalhos e Estudos de Projetos Espaciais (GETEPE), concluído em 1965 e localizado no Rio Grande do Norte.

Neste local, foi lançado o Sonda I, o primeiro de quatro foguetes destinados à realizar um voo sub-orbital com o objetivo de fazer sondagens por meio de instrumentos embarcados, além de testes para os componentes e sistemas dos foguetes.


Vista aérea do Centro de Lançamento de Alcântara.

No intervalo de 1979 a 1989 foram inaugurados o CLA (centro de lançamento maior do que o CLBI) e o LIT/INPE (laboratório dotado com equipamentos modernos para testes, pesquisas e integração de satélites). Já de 1992 a 1993, no Centro de Rastreio e Controle de Satélites foram projetados e construídos os satélites da missão SCD (Satélite de Coleta de Dados), os SCD-1 e SCD-2, lançados em 1993 e 1998 do Cabo Canaveral (Flórida/EUA) pelo foguete Pegasus.

O projeto do VLS-1 (veículo lançador de satélites) teve seu início em 1984, pois na década de 1980, várias missões foram realizadas visando aprimorar as tecnologias do Projeto Sonda IV, tais como:

  • Operação Parangaba (21/11/1984, voo do primeiro protótipo);
  • Operação São José dos Campos (19/11/1985, recuperação de cargas úteis);
  • Operação Petrópolis (08/10/1987, qualificação de componentes);
  • Operação Rio de Janeiro (28/04/1989, qualificação dos dispositivos responsáveis pela separação dos estágios do foguete).

Com os excelentes resultados destas operações o IAE/DCTA (Instituto de Aeronáutica e Espaço/ Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial) ambicionou a construção do primeiro Veículo Lançador de Satélites, objetivo para o qual as instituições se voltaram a partir de 1990.

Operação Brasil foi o primeiro teste com o VLS-1 e ocorreu em 02/11/1997, de forma lastimável houve uma falha num dos motores do primeiro estágio, fazendo o foguete decolar sem alinhamento com a Torre Móvel de Integração (TMI). Após um minuto e meio ele foi destruído pelo controle da missão. Junto com o foguete estava o SCD-2A, um satélite de coleta de dados pertencente à linha dos SCDs.

O segundo teste foi realizado em 11/12/1999, batizado de Operação Almenara. Novamente ocorreu problema devido ao não funcionamento dos motores de segundo estágio do VLS, e, de forma imprudente, estava a bordo um satélite, o SACI-2 (Satélite de Aplicações Científicas), desenvolvido pelo INPE a fim de realizar testes em seus sistemas, todos se perderam.

Observa-se um certo problema do Programa Espacial Brasileiro para seguir o protocolo, pois em qualquer projeto de VLS os primeiros lançamentos são de um foguete experimental, buscando unicamente definir os parâmetros de voo e a verificação do comportamento dos sistemas, são necessários entre cinco a dez lançamentos técnicos para a definição da confiabilidade do foguete, para só então acrescentar-lhe carga útil.


Explosão no Centro de Lançamento de Alcântara mata 21 cientistas brasileiros.

O terceiro teste deveria ocorrer em 25/08/2003, porém jamais aconteceu devido à tragédia que se passou três dias antes do lançamento. Um dos quatro motores do primeiro estágio do VLS-1 entrou em ignição antes do previsto devido à ação de um detonador, que acionou uma reação em cadeia do combustível ali presente, pondo-o em combustão. Isso incendiou os quatro estágios como também a Torre Móvel de Integração e matou 21 funcionários do corpo técnico ali presentes.

As cargas a bordo, os satélites SATEC e UNOSAT-1, foram totalmente destruídas, porem, a pior perda foi do capital humano, pois os engenheiros mortos tinham décadas de experiência na área.

A partir daí não houve avanços no VLS-1 devido a uma multiplicidade de problemas como: falta de recursos, envelhecimento dos componentes, falta de pessoal, etc., e foi oficialmente cancelado em fevereiro de 2016.

Em vista de todos estes acontecimentos, observa-se que o programa espacial brasileiro ainda é muito recente e inexperiente, sofreu com erros de gestão, planejamento estratégico e parcerias erradas. Apesar das notáveis conquistas em construir satélites (muitos dos quais estão em pleno funcionamento) e infraestruturas de solo adequadas, o país não possui um projeto de veículo lançador de satélites, testado e que tenha obtido êxito. Isso gera dependência de outras nações para lançar suas cargas úteis e um déficit na capacidade tecnológica.

Não há os incentivos econômicos necessários no Ministério da Ciência Tecnologia Inovação e Comunicações (MCTIC), o que prejudica não apenas as pesquisas espaciais, mas também o desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil.

Para que Programa Espacial Brasileiro se torne notável e produtivo, é preciso coalisão entre as instituições, planejamento a longo prazo, visando preparar o país para desafios futuros, isso combinando vontade política e pensamento estratégico. Por fim, é preciso a compreensão da sociedade sobre a importância da pesquisa espacial no Brasil, algo que nos daria autonomia, não somente na pesquisa científica, mas também em comunicações, monitoramento territorial e tecnologia de ponta.

Fonte: Socientífica

Cristiane Tavolaro

Sou física, professora e pesquisadora do departamento de física da PUC-SP. Trabalho com Ensino de Física, atuando principalmente em ensino de física moderna, ótica física, acústica e novas tecnologias para o ensino de física. Sou membro fundadora do GoPEF - Grupo de Pesquisa em Ensino de Física da PUC-SP e co-autora do livro paradidático Física Moderna Experimental, editado pela Manole.

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