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Em camundongos, vírus zika elimina tumor cerebral comum em crianças

Estudo publicado na revista Cancer Research, da Associação Americana para o Pesquisa do Câncer, revela o lado terapêutico do vírus zika que, em 2015, deixou em alerta as autoridades mundiais de saúde pública, quando se estabeleceu a ligação entre a infecção pelo vírus durante a gestação e o nascimento de crianças com microcefalia. Agora, pesquisadores brasileiros do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco mostram, pela primeira vez em animais, o efeito deletério da injeção do vírus purificado, em baixa concentração, sobre tumores embrionários cerebrais, de células humanas, induzidos em camundongos de baixa imunidade. O artigo chama-se Zika virus selectively kills aggressive human embryonal CNS tumor cells in vitro and in vivo e foi publicado on-line nesta quinta-feira, 26 de abril.

Os estudos foram realizados utilizando principalmente linhagens celulares humanas derivadas de dois tipos de tumores embrionários do sistema nervoso central (SNC): o meduloblastoma e o tumor teratoide rabdoide atípico (AT/RT, na sigla em inglês). São tumores que afetam principalmente crianças com menos de cinco anos.

“Os tumores do SNC são os tumores sólidos mais frequentes em crianças e adolescentes”, explica Oswaldo Keith Okamoto, um dos autores principais do estudo. “O pico de incidência do meduloblastoma é em crianças de 4 a 5 anos de idade. O AT/RT tem uma maior incidência em crianças ainda mais novas, de até 2 anos.”

Em 20 de 29 animais tratados com o vírus do zika no estudo, os tumores regrediram. Em sete deles (cinco com AT/RT e dois

Mayana Zatz – Foto: Divulgação / IB

com meduloblastoma), a remissão foi completa: o tumor desapareceu. Em alguns casos, o vírus também foi efetivo contra metástases – ou eliminou o tumor secundário, ou inibiu seu desenvolvimento.

Mayana Zatz, coordenadora do centro e uma das autoras principais do estudo, não hesita em classificar os resultados de “espetaculares”. O próximo passo será tratar de encontrar parceiros para o que é chamado, no jargão das ciências biomédicas, de fase 1 dos testes, agora não mais em animais, mas em pessoas. No caso, com maior frequência, crianças pequenas. Essa é uma das causas do entusiasmo que transparece na experiente Mayana, e que ela procura refrear ao falar da pesquisa que fomentou. “A gente vai ter que segurar a ansiedade e não colocar a carroça na frente dos bois. É muito importante começar com dois ou três pacientes antes e, se der certo, fazer isso para um número maior”.

Para isso será necessário obter o vírus purificado, em quantidades maiores, e produzido de acordo com as boas práticas de cultivo exigidas para testes em seres humanos. Esta etapa está sendo tratada com o Instituto Butantan, que já forneceu os vírus e colaborou com o presente estudo. A partir daí, será possível criar um protocolo para aplicação em pacientes.

Carolini Kaid, doutoranda do Centro de Estudos do Genoma Humano orientada por Oswaldo Okamoto, é a primeira autora do trabalho. Ela se responsabilizou especialmente pelo trato com os camundongos: fez as cirurgias para implantação dos tumores, injetou vírus zika no local e depois acompanhou a evolução.

Assista às entrevistas com os pesquisadores no Canal USP:

Nota dez em segurança

Garantir que o vírus é seguro é crucial para levar os achados do estudo à clínica. Nesse quesito, os resultados do artigo são promissores. Concentrações de uma partícula viral para cada dez células foram suficientes para infectar e matar células derivadas de tumores de AT/RT e meduloblastoma. Além disso, o vírus mostrou uma grande especificidade por esse tipo de células.

“O vírus não infectou as células tumorais indiscriminadamente,” explica Okamoto. “Ele é bastante específico para células tumorais do sistema nervoso.”

Além disso, ele também não infectou neurônios já diferenciados, o que é um comportamento muito vantajoso, se repetido em humanos com tumor cerebral.

Oswaldo Keith Okamoto – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

Os pesquisadores também testaram in vitro a funcionalidade dos vírus formados nas células tumorais após a infecção. Os resultados mostram que essas novas partículas virais são defeituosas, o que evitaria a expansão incontrolada do vírus no corpo do paciente após o tratamento antitumoral.

Durante o surto de 2015, centenas de milhares de pessoas foram infectadas. Apesar disso, a maioria dos pacientes, crianças e adultos, permaneceu assintomática. Só uma pequena proporção das pessoas infectadas desenvolveu condições graves, como a síndrome de Guillain-Barré ou encefalite. Essas observações são muito importantes quando se avaliam os riscos e a segurança de um novo tratamento.

“Existe uma perspectiva muito positiva”, diz Okamoto. “Mas temos um caminho ainda a ser perseguido para a gente poder avançar de forma segura para a parte clínica.”

Os experimentos

Os resultados do estudo mostram que o vírus zika é capaz de infectar e matar as células dos tumores embrionários do SNC com grande eficácia e especificidade, tanto em modelos in vitro como em camundongos.

Carolini Kaid – Foto: NDC

O vírus foi testado em células derivadas de tumores de próstata, mama e cólon, além de três linhagens de tumores embrionários do SNC, uma comercial de meduloblastoma (“DAOY”) e duas geradas pelos próprios pesquisadores, uma de meduloblastoma (USP-13) e outra de AT/RT (USP-7). Concentrações de duas partículas virais para cada célula tumoral mataram a maioria das células tumorais do SNC, mas tiveram pouco efeito sobre as outras linhagens. Mas mesmo quantidades menores de vírus, de uma partícula viral para cada dez células, inibiram o crescimento das células tumorais do SNC.

A especificidade do vírus também foi avaliada em culturas tridimensionais, onde o efeito foi ainda mais claro, mostrando que a preferência do zika por células-tronco de tumores embrionários do SNC é inclusive maior que a que tem pelas células progenitoras neurais. Nos experimentos in vivo, tumores embrionários de SNC, que são de origem humana, foram enxertados em camundongos. Quando esses animais foram tratados com o vírus zika, a maioria dos tumores apresentou remissão e as metástases diminuíram.

Os pesquisadores ainda conseguiram relacionar os efeitos do vírus zika à via molecular da Wnt, uma via que já tinha sido descrita como importante no desenvolvimento do AT/RT e do meduloblastoma.

Fonte: Jornal da USP

Wagner Marcelo

Atua profissionalmente como arquiteto de inovação, gera e fomenta ecossistemas empreendedores e tecnológicos, hoje somados são mais de 400 mil pessoas em sua rede. Tem como missão o desenvolvimento de negócios disruptivos.

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