Ensino

Por que divulgar é importante?

Não me lembro em que momento eu comecei a falar sobre pesquisa pura e aplicada em sala de aula. Talvez tenha sido lá no começo de carreira porque eu fazia mestrado, e tanto a minha como a pesquisa dos outros profs me empolgavam e eu precisava contar sobre eles para os meus alunos. Mas certamente esse procedimento se intensificou depois da internet permear nossas vidas. Se eu já tinha fome por coisas diferentes antes, com a rede crescendo ficou mais fácil encontrar e ler sobre os mais variados temas. Levar as novidades todas – pesquisas e perspectivas em ciência e tecnologia –  para a sala de aula não era fácil: era preciso imprimir os textos e ajudá-los a ler e interpretar.

“Quanta perda de tempo” os coordenadores diriam!  Os vestibulares assombravam e ainda assombram o final do ensino médio, e as atividades que aparentemente não propiciam as habilidades mais requeridas pelas provas não eram e não são valorizadas.

Os resultados vinham devagar, mas estavam lá: no ensino médio as Feiras de Ciências ficaram mais ricas e mais interdisciplinares que multidisciplinares e não era difícil ter algum aluno me esperando após a aula para me pedir conselhos sobre se faria o curso de física! Eu tinha vontade de gritar: simmmmm! Venhaaaa! Mas, a razão dominava a emoção – pense bem… vai precisar estudar bastante… a compensação não é imediata…

A ciência, qualquer uma, tem linguagem própria e leva tempo para que nos apropriemos dela. Quem faz pesquisa já se apropriou, usa e abusa dessa linguagem entre seus pares e também para dar aulas. Mas fazer divulgação científica é diferente de dar aulas ou palestras sobre um tema: é preciso apropriar-se da linguagem científica e a seguir, fazer a transposição didática, isto é, traduzir toda aquela parafernália em analogias e símbolos que os leigos consigam reconhecer. E quanto mais figuras e esquemas melhor!

O que acabo de descrever é também o que um bom professor faz, mas em geral ele o faz no momento certo (série adequada à idade e capacidade cognitiva do estudante) e com subsídios de outras ciências (disciplinas estudadas anteriormente ou concomitante), já que a estrutura curricular da escola é seriada.

Divulgação científica é outra coisa! É tudo isso e muito mais! O público atingido não tem idade certa e não se sabe que pré-requisitos possui!

Divulgação científica é muito mais difícil de se fazer.

Eu só conheço dois caminhos: ou um jornalista se especializa em jornalismo científico para divulgar projetos e resultados na mídia, ou o próprio pesquisador o faz. Tenho a sensação que o nível de dificuldade é o mesmo para ambos. E no caso do pesquisador, vale lembrar que nem todo bom pesquisador é um bom comunicador e vice-versa.

Mas por que divulgar? Por que um cientista precisa gastar seu tempo/energia para contar seus sucessos (e insucessos também)?

Quando terminei de escrever esta pergunta, lembrei dos motivos de uma ex-aluna que divulga ininterruptamente fotos de seus trabalhos de Estética e Beleza nas redes sociais: profa., quem não é visto não é lembrado! Se eu não divulgar, como vou conseguir mais clientes?

Além do cientista não ser esquecido e conseguir mais “clientes” (Carl Sagan! Acho que jamais será esquecido!), tenho mais algumas respostas prontas para essa pergunta, mas resolvi buscar fora. E vejam o que encontrei no Portal da UFABC:

“O conhecimento científico, que antes era concentrado somente em elites, hoje está sendo cada vez mais popularizado com a finalidade de levar às pessoas melhor qualidade de vida, capacidade de refletir sobre os impactos da C&T no cotidiano e o direito de se tornar um elemento social ativo para assim chegar o pleno exercício da cidadania.”

Quanto ao exercício da cidadania:

“…o desenvolvimento de uma opinião pública informada sobre os impactos do desenvolvimento científico e tecnológico sobre a sociedade, particularmente em áreas críticas do processo de tomada de decisões, amplia a consciência do cidadão a respeito de questões sociais, econômicas e ambientais associadas ao desenvolvimento científico e tecnológico, melhorando a qualidade da participação da sociedade na formulação e escolha de políticas públicas.”

Apesar de algumas ressalvas, concordo principalmente sobre a importância do exercício da cidadania e deste ocorrer  quando subsidiado por um conhecimento básico de ciência e tecnologia.

E, pensando em Brasil, que vive atualmente uma crise mais moral que econômica, já que os investimentos em educação e ciência foram congelados por 20 anos, o que se pode esperar da Divulgação Científica?

Muitas iniciativas ligadas à divulgação da ciência despontaram no Brasil nas últimas duas décadas. Novos centros e museus de ciência foram criados, livros e revistas foram publicados em número crescente, conferências públicas e eventos se espalharam pelas principais cidades do país.

Porém, não foram suficientes para mobilizar a opinião pública em torno da necessidade de mais investimentos. Segundo Herton Escobar, repórter de ciência e meio ambiente do Estadão:

“Conhecimento não é grátis, e não brota espontaneamente do solo. Ele precisa ser produzido, e isso exige pessoas, exige investimento. Muito do conhecimento gerado pela ciência brasileira é de interesse direto ou até exclusivo do Brasil — os outros países não vão produzi-lo por nós.”

E pra ajudar, o mundo está vivendo uma tendência alarmante de desacreditar o consenso científico – terraplanistas e antivacinas são alguns exemplos. Sem contar que há governos que se recusam a assinar protocolos em defesa da sustentabilidade – necessidade apontada pela comunidade científica em peso.

Então, os cientistas e jornalistas científicos estão contra-atacando! Crescem os movimentos em favor de mais investimentos para ciência e eventos de divulgação científica! E eu estou embarcando neles!!!

Vejamos alguns exemplos:

March for Science

Inspirada pela Marcha das Mulheres contra Trump e empurrada pelos anunciados cortes nas mais variadas áreas de investigação nos EUA, um grupo de cientistas norte-americanos marcou a data de 22/04/2017 para a Marcha pela Ciência.

No Brasil, a Marcha pela Ciência focou sobretudo nos absurdos cortes do orçamento da ciência e tecnologia feitos pelo governo de Temer, posição que vem sendo denunciada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pelas universidades e institutos de pesquisa. O evento paulistano foi um das 25 programados no país e uma das cerca de 600 marchas satélites em todo o mundo, e foi organizado por um comitê formado principalmente por estudantes sob coordenação da bióloga Nathalie Cella, professora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP).

Pint of Science

A ideia surgiu depois que dois pesquisadores do Imperial College London, Michael Motskin e Praveen Paul, organizaram um evento chamado Encontro com Pesquisadores, em 2012. Nesse encontro, pessoas com Alzheimer, Parkinson, doenças neuromusculares e esclerose múltipla foram convidadas para conhecer os laboratórios dos cientistas e ver de perto o tipo de pesquisa que realizavam.

A experiência foi tão inspiradora que a dupla decidiu propor um evento em que os pesquisadores pudessem sair das universidades e institutos de pesquisa para conversar diretamente com as pessoas e assim, em maio de 2013, surgiu o Pint of Science.

De lá para cá, o evento cresceu – em 2018, serão 21 países – e a meta é ampliá-lo cada vez mais. “Quero levar o Pint of Science para todas as cidades do mundo e comunicar a ciência como ela é: divertida, fascinante e inspiradora”, diz Motskin em seu perfil na página internacional do evento.

O Pint of Science foi trazido para o Brasil pela jornalista Denise Casatti, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC-USP), e ocorreu pela primeira vez no país em 2015, em São Carlos.

Veja a programação aqui.

Física ao Entardecer

O projeto Física ao Entardecer é um programa de palestras direcionadas ao público em geral que discute temas científicos atuais, em particular temas associados à Física. As palestras ocorrem uma  vez por mês no Instituto de Física Teórica da Unesp, às quintas-feiras às 19:00. A entrada é franca. E não é

necessário fazer inscrição.

Veja a programação aqui.

 

CIÊNCIA EM DIÁLOGO

O programa de divulgação científica chamado “Ciência em Diálogo” no Instituto Moreira Salles é realizado em parceria com o South American Institute for Fundamental Research do International Centre for Theoretical Physics (ICTP-SAIFR), abrigado no Instituto de Física Teórica da Unesp.

Nesta série mensal de bate-papos organizada em parceria com o Instituto Moreira Salles, um cientista e um não cientista são convidados a debater assuntos de interesse comum. A conversa envolve a plateia e um moderador que terão a oportunidade de discutir com os convidados as várias maneiras de estudar o mesmo tema.

Veja a programação aqui.

 

São só alguns exemplos de como é possível divulgar a ciência para leigos e entusiastas, afinal quem não é visto não é lembrado, isto é, se não divulgarmos, as pessoas não saberão de sua importância para a sociedade!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

https://ims.com.br/eventos/roda-de-conversa-ficcao-cientifica/

https://www.ift.unesp.br/br/#!/noticia/36/calendario-2018-1o-semestre-do-projeto-fisica-ao-entardecer/

https://www2.unesp.br/portal#!/noticia/31580/ictp-saifr-organiza-palestra-de-divulgacao-cientifica/

https://galoa.com.br/blog/o-que-e-marcha-pela-ciencia

https://pintofscience.com.br/historia/

 

 

 

Cristiane Tavolaro

Sou física, professora e pesquisadora do departamento de física da PUC-SP. Trabalho com Ensino de Física, atuando principalmente em ensino de física moderna, ótica física, acústica e novas tecnologias para o ensino de física. Sou membro fundadora do GoPEF - Grupo de Pesquisa em Ensino de Física da PUC-SP e co-autora do livro paradidático Física Moderna Experimental, editado pela Manole.

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