Como as aranhas podem nos ajudar a ensinar potencial elétrico?
Eletrostática é um tema de física abordado no Ensino Básico e é fundamental para que possamos compreender a natureza elétrica da matéria. Sem as noções de eletrostática é muito difícil compreender desde o modelo atômico vigente – que nos permite ter noção de como funcionam a energia solar, fissão e fusão nucleares – até os princípios do eletromagnetismo – que nos permitem entender minimamente o funcionamento de geradores e motores elétricos. Resumindo, é muito difícil exercer o papel de cidadão no que tange à escolhas relativas à geração e consumo de energia se não compreendemos a base da ciência que os explica.
Por outro lado, o ensino-aprendizagem de eletrostática (e do eletromagnetismo) não é nada fácil. Conceitos tais como Campo Elétrico e Potencial Elétrico são bastante abstratos, pois a priori são conceitos matemáticos, e demandam grandes esforços por parte dos professores para obter a transposição didática que permita ao estudante compreendê-los.
A estratégia de ensino é a mesma utilizada para outros conceitos abstratos – fazer analogias com situações concretas e acessíveis. Um exemplo clássico de analogia para explicar Diferença de Potencial Elétrico (ddp) é compará-la à Diferença de Potencial Gravitacional que pode causar uma queda d’água – a água naturalmente flui do maior potencial para o menor. A analogia seria perfeita a menos de um detalhe: a entidade massa é sempre positiva (até agora) enquanto a entidade carga tem duas naturezas – positiva e negativa. Resulta que numa ddp, cargas de sinais opostos podem executar movimentos em sentidos opostos. E voltamos à abstração!
São muitos os exemplos e analogias que se podem fazer, mas nem todos sensibilizam ou mobilizam o estudante para que dedique tempo-energia para estudá-lo. Porém, quanto maior o número de exemplos e analogias levadas aos estudantes, maior é a chance de incorporarem estes conceitos abstratos.
E se, além de muitos exemplos, um ou outro for inusitado a ponto de ser considerado ficção?
Chegamos às aranhas! Aranhas voam, e não é ficção. Os “artrópodes sem asas já foram encontrados a 4 quilômetros de altura no céu”, explicam os pesquisadores Erica Morley e Daniel Robert, da Universidade de Bristol, no Reino Unido.
Trata-se de um comportamento de balonismo que é conhecido desde os anos 1830, quando Charles Darwin observou centenas de aranhas pousarem no mar do canal de Beagle em um dia calmo. A suspeita de que campos elétricos podem não apenas desencadear o evento, como também fornecer sustentação para as aranhas no ar surgiu ainda naquela época, pois a noção de que o planeta tinha eletricidade em torno de si era clara por causa das descargas elétricas em tempestades.
A hipótese não foi testada por falta de tecnologia, certamente.
Hoje sabemos que existe um gradiente de potencial elétrico atmosférico (GPA), isto é, uma ddp gerada entre a Terra e a ionosfera – a parte da atmosfera superior do planeta que é ionizada pela radiação solar. E é essa ddp que precisamos que os estudantes entendam!
Os experimentos para testar a hipótese de que essa ddp interfere de alguma forma no comportamento de balonismo das aranhas foram retomados em 2013. Morley e Robert isolaram aranhas do gênero Erigone num ambiente sem ventos e sem a eletricidade atmosférica e criaram um campo elétrico que pode ser totalmente controlado.
Com isso descobriram que as aranhas ficam em comportamento de balonismo toda vez que o campo elétrico é acionado, e deslizam quando o campo é desligado. Ligar e desligar o campo fez com que as aranhas se movessem para cima ou para baixo, respectivamente.
O experimento me fez lembrar de outro – um clássico da física – o experimento da gota de óleo de Millikan, em que ele controlou por horas uma mesma gotinha de óleo entre duas placas de um capacitor carregado eletricamente e, depois de muitos cálculos, determinou a carga elétrica de um único elétron! Isso em 1910!
Mas se aranhas são controladas pelo campo elétrico, então precisam ter em sua estrutura algum elemento que se polariza na presença de campos elétricos!
O foco da pesquisa está nos pelos sensoriais das aranhas, chamados de tricobótrios. Os cientistas acreditam que são eles que permitem que as aranhas detectem o GPA por eletrorrecepção , também comum em tubarões e golfinhos, mas para estes a eletrorrecepção é usada para eletrolocalização e eletrocomunicação.
Um dado relevante do comportamento de balonismo é que em alguns dias é possível ver milhares de aranhas decolando em massa, enquanto em outros dias não. A pesquisa também revelou que variações do campo elétrico aplicado podem explicar as discrepâncias. Vale lembrar que num dia claro, o campo elétrico entre o solo e a ionosfera pode medir 100 V/m, mas num dia de tempestade pode pular para 10kV/m – cem vezes mais do que durante um dia calmo.
O tema ainda vai render artigos aos pesquisadores, mas por hora, pode ser usado como exemplo e motivação para o estudo inicial conceito de campo elétrico e potencial elétrico. E ainda, é um tema interdisciplinar que pode aproximar física e biologia.
O vídeo publicado por E.L. Morley e D. Robert pode ajudar a entender o fenômeno e os experimentos realizados. Veja aqui.
O artigo recém publicado pode ser encontrado aqui.
Fonte da foto: Hypescience