Falha mais uma tentativa de comprovar existência da matéria escura
Primeiro a teoria
A matéria escura comporia cerca de 27% do conteúdo do universo, enquanto a matéria comum corresponderia a apenas 4%. Os 69% restantes seriam constituídos pela energia escura. Como a matéria escura interage muito pouco com a matéria comum, sua presença só foi inferida até agora a partir de efeitos gravitacionais sobre a matéria visível, como estrelas, galáxias e aglomerado de galáxias.
O modelo mais aceito afirma que a composição dos movimentos da Terra, do Sol e da própria Galáxia resultaria, para o observador terrestre, em um vento de matéria escura. Mais especificamente, em um vento de Wimps (Weakly Interacting Massive Particles – Partículas Maciças de Interação Fraca), partículas hipotéticas que seriam as principais candidatas à matéria escura.
Durante a translação anual da Terra, os sinais da interação do detector com os Wimps aumentariam quando o planeta se deslocasse em sentido contrário ao do vento, e diminuiriam quando se deslocasse no mesmo sentido. Essa variação se daria de forma cossenoidal.
Há quase 20 anos, o experimento DAMA/LIBRA, localizado no Laboratório Nacional Gran Sasso, na Itália, começou a divulgar resultados de uma suposta modulação de sinais produzidos pela interação do detector com o halo da hipotética matéria escura da Via Láctea.
O DAMA/LIBRA divulgou detecções de sinais, com taxa variando ao longo do ano de forma cossenoidal, o que corresponderia a uma assinatura de matéria escura.
O problema é que, desde que isso foi anunciado pela primeira vez, nenhum outro experimento confirmou a suposta assinatura. Um ponto a ser ressaltado é que esses outros experimentos utilizaram diferentes materiais e técnicas de análise.T
Agora os dados
Para checar a discrepância entre os dados do DAMA/LIBRA e os dados dos outros experimentos, e para buscar indícios robustos da matéria escura, um novo detector, o Cosine-100, foi instalado 700 metros abaixo do nível do solo no Laboratório Subterrâneo YangYang (Y2L), na Coreia do Sul.
“Os resultados dos primeiros 59,5 dias do Cosine 100 não confirmaram os sinais divulgados pelo DAMA/LIBRA. Os resultados obtidos não correspondem a uma assinatura de Wimps,” afirmou o pesquisador brasileiro Nelson Carlin Filho, da Universidade de São Paulo, um dos membros brasileiros do consórcio.
Este resultado negativo é tanto mais importante na medida em que o Cosine-100 utiliza como detectores cristais de iodeto de sódio (NaI), o mesmo material usado no DAMA/LIBRA.
“É o primeiro resultado publicado de um detector desse material com tamanho e sensibilidade suficientes para investigar a região dos sinais do DAMA/LIBRA. Não estamos afirmando que os pesquisadores do DAMA/LIBRA simplesmente erraram. Eles podem ter captado uma modulação periódica de sinais reais. Porém, a menos que o modelo de matéria escura seja significativamente modificado, há pouca chance de que esses sinais possam ser atribuídos a interações com Wimps. De qualquer forma, nosso trabalho está apenas começando. Vários anos de tomadas de dados serão necessários para confirmar ou refutar totalmente a modulação anual do DAMA/LIBRA,” disse Nelson.
Detector de matéria escura
O detector do Cosine-100 é constituído por oito cristais de iodeto de sódio dopados com tálio (Tl), compondo uma massa total de 106 quilogramas. Cada cristal é acoplado a dois fotossensores destinados a medir a quantidade de energia nele depositada. E o conjunto todo é imerso em 2.200 litros de líquido cintilador, cercado por cobre, chumbo e cintiladores plásticos.
Toda essa blindagem e o fato de o detector estar instalado 700 metros abaixo do solo se destinam a reduzir ao mínimo as perturbações causadas por raios cósmicos (múons), pela radiação cósmica de fundo (fótons remanescentes do universo primordial, detectados na faixa de micro-ondas) e por emissões de partículas dos próprios materiais que compõem o equipamento.
A partir de um tratamento estatístico muito sofisticado utilizando o modelo padrão para o halo de matéria escura, com simulações de Monte Carlo e outros recursos, o Cosine-100 definiu uma curva considerada o “limite de exclusão” para interações entre as Wimps e os núcleos do material do detector.
Esse limite corroborou e precisou limites estabelecidos pelos experimentos anteriores. A curva é disposta em um sistema bidimensional de coordenadas cartesianas. No eixo Y, são anotadas as seções de choque, que informam de maneira simples as probabilidades de ocorrência das interações; no eixo X, as massas das supostas Wimps.
Qualquer evento cujas coordenadas possam ser plotadas abaixo do limite de exclusão é candidato à interação Wimp/núcleo. Qualquer evento situado acima não obedece às condições necessárias para caracterizar a interação, conforme o modelo (veja a figura a seguir).
“Os sinais do DAMA/LIBRA [as áreas pontilhadas em vermelho e azul] ficaram acima do limite de exclusão. Notem que, além de utilizar detectores compostos pelo mesmo material empregado no DAMA/LIBRA (cristais de iodeto de sódio), o Cosine-100 valeu-se de técnicas de seleção de eventos semelhantes. Portanto, discrepâncias de resultados devidas a diferenças nos experimentos foram minimizadas. Não encontramos matéria escura e descobrimos que as medidas do DAMA/LIBRA não são consistentes com o modelo padrão para o halo de matéria escura,” concluiu Nelson.
Fonte: Inovação Tecnológica