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Feynman e a dificuldade para explicar a natureza do magnetismo

Lembrei-me de Feynman (Richard Feynman, físico, 1918 a 1988) ao responder a um jornalista sobre o porquê de dois imãs se atraírem ou se repelirem – depois de explicar que a pergunta “por que tal coisa acontece” implicar em aprofundamento de conceitos, ele finaliza: “eu não consigo explicar essa atração em termos de qualquer coisa que lhe seja familiar”.

Além de um grande cientista, Feynman também foi um grande educador. O prêmio de que mais se orgulhava era o da Medalha Orsted de Ensino em 1972. Suas célebres aulas no CALTECH foram transcritas por alunos, o que resultou no clássico Lições de Física de Feynman, publicado em três volumes, originalmente lançado em 1963.

Se Feynman teve essa dificuldade, imagine professores explicando magnetismo e eletromagnetismo para estudantes de ensino médio? Não é à toa que o assunto fica lá num dos últimos capítulos das coleções de livros didáticos e, por vezes, é tratado rapidamente sem qualquer aprofundamento ou simplesmente não é tocado. Bom lembrar que não há nada que impeça estudar eletromagnetismo no 2º ano do ensino médio, por exemplo.

Veja Feynman respondendo ao jornalista em

Richard Feynman – Imãs e as perguntas corretas

Interessante notar que estudantes (e também professores!) estão começando a acostumar com a ideia de que a gravidade é resultante da deformação do tecido do espaço-tempo devido à presença de um corpo de massa muito grande. Parece que a mídia tem contribuído bastante para a difusão desta ideia por conta das notícias recentes sobre a detecção das ondas gravitacionais. Porém, a natureza das forças elétrica e magnética não são citadas apesar de estarmos imersos em campos eletromagnéticos devido à parafernália tecnológica que nos cerca.

Os campos magnéticos ocorrem sempre que cargas estão em movimento. Quanto mais cargas são colocadas em maior movimento, mais a força do campo magnético aumenta. E é bom lembrar que também se manifestam por ondas – impossível fugir da natureza ondulatória das entidades deste universo.

Mas por que lembrei de Feynman falando de magnetismo?

Porque fui surpreendida por duas notícias que envolvem este tema.

Na primeira delas, a Agência FAPESP noticiou que um grupo de pesquisadores no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos (SP) está trabalhando na instalação da Rede Embrace de Magnetômetros (Embrace MagNet) na América do Sul, que, espera-se, chegará a mais de 20 equipamentos espalhados por toda a América Latina, incluindo o México, por volta de 2022.

“O projeto visa estudar a variação diária da dinâmica da alta atmosfera [mesosfera e termosfera] e da eletrodinâmica da ionosfera em baixas latitudes e região equatorial. Nosso interesse é ver a variação do campo magnético terrestre quando acontecem as explosões solares e as nuvens magnéticas atingem a Terra”, disse Clezio Marcos De Nardin, coordenador-geral de Ciências Espaciais e Atmosféricas do Inpe.

Fenômenos solares que chegam à Terra são capazes de causar interferências em sistemas de posicionamento por satélites, como o GPS. Automóveis, aviões e navios usam sistema de navegação por satélite. Dependendo de sua intensidade, uma tempestade pode afetar os satélites de GPS, degradando severamente a sua operação.

O bombardeio do campo magnético terrestre pelo resultado das erupções solares pode danificar também sistemas de sensoriamento remoto por radar, além de induzir correntes elétricas em transformadores de linhas de transmissão de energia ou afetar a proteção de dutos para transporte de petróleo e gás, causando enorme prejuízo econômico.

Portanto a notícia é bastante relevante já que antes da criação da Embrace MagNet, os pesquisadores sul-americanos dependiam de dados fornecidos primordialmente por instituições dos Estados Unidos, Europa e Japão para estudar as perturbações no campo magnético sobre a América do Sul.

Para saber mais sobre o trabalho destes pesquisadores brasileiros, leia:

Nova rede pesquisa o clima espacial sobre a América do Sul

Além do campo magnético terrestre sofrer alterações momentâneas por conta da interferência do vento solar, também sofre alterações quase que definitivas por outros motivos. O campo magnético da Terra tem sido medido por 400 anos. Em todo esse tempo, ele tem se deslocado para o oeste e não sabemos porquê. A segunda notícia trata justamente deste tema: agora há uma hipótese a ser investigada: ondas de Rossby seriam as responsáveis pelo deslocamento. Ondas! Ondas novamente!

Ondas de Rossby surgem em fluidos rotativos. Também são conhecidas como “ondas planetárias” e são encontradas em muitos corpos grandes e giratórios, como nos oceanos e na atmosfera da Terra, em Júpiter e no sol.

Agora precisamos lembrar a causa do campo magnético terrestre: o núcleo externo da Terra também é um fluido rotativo de material ionizado, isto é, cargas elétricas. Mas se é um fluido rotativo. Ondas de Rossby também circulam nesse núcleo. Enquanto as ondas oceânicas e atmosféricas de Rossby têm cristas que se movem para o oeste contra a rotação leste da Terra, as ondas de Rossby no núcleo do planeta se movem na direção contrária – suas cristas sempre vão para leste.

A notícia é muito relevante porque se o campo magnético está se deslocando, pode, em algum momento inverter seus polos, como já aconteceu no passado! Isso nos levaria a um colapso tecnológico já que, novamente: estamos imersos numa parafernália eletromagnética!!

Para entender melhor a hipótese, leia:

O campo magnético da Terra se desloca para o oeste e ninguém sabe por quê.

Enquanto isso, fico aqui pensando: como podemos ajudar os professores a usarem todo este material para promover o estudo do electromagnetismo com mais eficácia?

Já dizia Chester Gould através de Dick Tracy em 1935: “The nation that controls magnetism will control the universe”.

 

 

Cristiane Tavolaro

Sou física, professora e pesquisadora do departamento de física da PUC-SP. Trabalho com Ensino de Física, atuando principalmente em ensino de física moderna, ótica física, acústica e novas tecnologias para o ensino de física. Sou membro fundadora do GoPEF - Grupo de Pesquisa em Ensino de Física da PUC-SP e co-autora do livro paradidático Física Moderna Experimental, editado pela Manole.

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