CI&T

Bases espaciais serão feitas com xixi de astronauta

Concreto de xixi

A coisa não é bonita e pode até mesmo ser apontada como inteiramente nojenta, mas os resultados são positivos e apontam para possibilidades reais de uso na exploração espacial.

Pra começo de conversa, tudo está sendo feito por uma equipe conjunta de pesquisadores da NASA, da ESA (Agência Espacial Europeia) e da CNSA (Administração Espacial Nacional da China).

E as maiores agências espaciais do mundo não se reuniriam se não houvesse uma necessidade real de inovação na área de materiais de construção no espaço.

Afinal, se quisermos construir bases na Lua ou em Marte, ou mesmo plantas de mineração em um grande asteroide, não podemos nos dar ao luxo de levar todo o material – o frete espacial hoje anda por volta de US$20.000 por quilograma.

O material é comprimido por uma extrusora e montado por uma impressora 3D.
[Imagem: Shima Pilehvar et al. – 10.1016/j.jclepro.2019.119177]

Feito de xixi, mas com cara de cocô

A ideia é usar o xixi dos astronautas como fonte de ureia – a ureia funciona como um plastificante para fabricar concreto a partir do pó já disponível no espaço, como no solo lunar ou nas areias de Marte, ou a partir de rochas moídas de um asteroide.

A equipe realizou vários experimentos para verificar o potencial da água e da ureia extraídas da urina como solvente e plastificante, que são usados como aditivos para amolecer o material original e torná-lo mais flexível para ser moldado antes de, finalmente, endurecer para servir como material estrutural.

Além do xixi, o material usado foi uma imitação do regolito, o solo seco e solto da Lua. Tudo foi misturado e colocado em um extrusor, uma máquina que faz um material sair comprimido sob pressão.

Foi aí que a coisa ficou realmente feia, porque, se soa mal que o material é feito de xixi, ficou ainda pior a sua aparência de cocô. Essa “argila” é finalmente usada por uma impressora 3D para construir estruturas em camadas sobrepostas, que podem funcionar como paredes.

Reciclagem espacial

Também foram fabricados cilindros em formato padrão para testes de resistência, o que permitiu selecionar a melhor composição. Adicionalmente, o material foi submetido a ciclos de aquecimento e resfriamento para simular a larga faixa de temperatura observada na superfície da Lua, que oscila entre 120 ºC e -150 ºC devido à ausência de uma atmosfera que possa funcionar como regulador.

Testes de amostras com várias concentrações de solo e xixi.
[Imagem: Shima Pilehvar et al. – 10.1016/j.jclepro.2019.119177]

“Ainda não investigamos como a ureia seria extraída da urina, uma vez que estamos avaliando se isso seria realmente necessário, porque talvez seus outros componentes também pudessem ser usados para formar o concreto geopolimérico. A água real na urina pode ser usada para a mistura, junto com a que pode ser obtida na Lua, ou uma combinação de ambas,” disse Anna-Lena Kjoniksen, da Universidade de Ostfold, na Noruega.

Quanto à água que pode ser obtida na Lua, à qual a pesquisadora se refere, trata-se da expectativa de encontrar gelo de água nas crateras escuras dos polos lunares. A equipe também irá prosseguir com testes em outras alternativas de materiais desenvolvidos a partir dos fluidos corporais.

No ano passado, por exemplo, uma equipe norte-americana demonstrou que a urina dos astronautas pode ser usada para fabricar um material similar à madrepérola, que tem alta resistência – além de ser bem mais bonito do que o material pastoso apresentado agora.

Bibliografia:

Artigo: Utilization of urea as an accessible superplasticizer on the moon for lunar geopolymer mixtures
Autores: Shima Pilehvar, Marlies Arnhof, Ramon Pamies, Luca Valentini, Anna-Lena Kjoniksen
Revista: Journal of Cleaner Production
Vol.: 247, 119177
DOI: 10.1016/j.jclepro.2019.119177

Fonte: Inovação Tecnológica

Cristiane Tavolaro

Sou física, professora e pesquisadora do departamento de física da PUC-SP. Trabalho com Ensino de Física, atuando principalmente em ensino de física moderna, ótica física, acústica e novas tecnologias para o ensino de física. Sou membro fundadora do GoPEF - Grupo de Pesquisa em Ensino de Física da PUC-SP e co-autora do livro paradidático Física Moderna Experimental, editado pela Manole.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *